Arquitecturas de Imagem, Imagens de Arquitectura
26.03 – 09.04.2022
Curadoria: Frederico Vicente
A relação entre arquitetura e fotografia não é recente. Podemos inclusive falar de ambas disciplinas como peças complementares de uma narrativa, ou de um guião escrito para cinema. O cinema é uma imagem em movimento, uma fotografia que ganha personagens e vida num espaço cenográfico, encenado para o efeito, e o que é tudo isto senão também arquitectura ? Podemos olhar a fotografia igualmente como o souvenir fácil, o memento e momento congelados, a memória - o álbum de família. Mas interessa-nos falar de referência e foi Aby Warburg (1866–1929) quem desenhou um sistema referencial.
Atlas Mnemosyne, a obra maior do historiador, propunha uma visão anacrónica da história das civilizações. Uma iconografia conectada e agrupada sobre grandes painéis negros. O saber visual ou o conhecimento através das imagens e as sucessivas correlações entre ilustrações, gravuras, fotografias… Imagens que são manifestações artísticas no mundo, cuja arquitectura é um dos modelos mais representado e é, só por si, um dos veículos de representação material que comunica uma época, uma sociedade ou uma cultura. Formas que se repetem ao longo do tempo, que se adaptam, transformam e replicam, constituindo a memória colectiva.
O Instagram (que nasce em 2010), enquanto rede mídia, aglutina dois algoritmos: o pensamento sobre a imagem e o arquivo iconográfico (memória colectiva digital).
O fenómeno da plataforma trouxe a democratização da comunicação em/e da arquitetura. Treze anos desde o seu aparecimento revela-se menos uma rede social com filtros e memórias saudosistas, para inevitavelmente se ter tornado um arquivo da cultura contemporânea. Que relação tem o Atlas Mnemosyne com o Instagram? Talvez partilhem o mesmo sistema de referências que compõem a ferramenta Google Lens ou a própria base de pesquisa do Pinterest.
Mas o que alimenta o Instagram, pelo menos no que diz respeito à arquitectura, é outra fonte. Diferente do trabalho de um fotógrafo, que visita um edifício pela perspectiva documental e resultado de uma encomenda, os entusiastas da fotografia criam hashtags, procurando o melhor ponto de vista: as semelhanças estéticas, a escala, a cor ou a clareza do ornamento. O campo comum às práticas é a produção de um enquadramento. Uma imagem apelativa à comunicação do edifício, capaz de criar engagement para ser vista, clicada, gostada e partilhada. O reconhecimento é medido por um conjunto de fatores dispersos, que por um scroll de polegares se perde num ápice.
Esta nova interação entre fotografia e arquitectura levanta novas questões. Como comunicamos arquitetura num formato 1:1 ou 4:5? São legítimas as ilusões de
arquitecturas imaginadas, manipuláveis, criadas? Que edifícios são estes, nessas utopias digitais? Existe uma arquitetura "instagramável"? O instagram é responsável por
uma experiência do espaço a duas dimensões? Que dimensão tem a arquitectura nestas cenografias ficionadas? Reconhecemo-nos nesses lugares? O arquitecto é mediador
desta conversa entre espaço e imagem (ou deixa-se envolver pelo artifício da divulgação)? Igualmente a discussão da arquitetura como ícone é trazida para o mural de imagens, ocupando parte do destaque.
Arquitecturas de imagem/ Imagens de Arquitectura posiciona-se como um feed físico de fotografiasque invoca a rede social e desencadeia todas estas inquietações. O background é um exercício de projecto (uma estratégia ou prática comum adoptada pelos ateliers de arquitectura na comunicação do projecto aos clientes, e na organização das ideias, talvez herdada de Aby Warburg) um moodboard de vazios e intervalos numa grelha sujeita a critérios meramente subjetivos. Resulta um arquivo em construção, incompleto, organizando fotografias ilustrativas da produção nacional da arquitetura contemporânea portuguesa (ou em território nacional).
Texto e Curadoria: Frederico Vicente
Support: DG Artes/Ministry of Culture and Criatório, Ágora – Cultura e Desporto, E.M.