Geografias Urbanas
24.10-05.11.2020
Organização:
Estação Sul e Sueste
Curadoria:
Frederico Vicente
Artista:
Emma Hornsby
Pode uma estrutura compor um sistema de vistas? Pode a mesma estrutura ser referência e orientação visual em cidade?
O caminho-de-ferro foi catalisador da chegada da indústria ao Barreiro, datado de 1861, o desenho da linha férrea provocou significativas mudanças na estrutura socioeconómica da cidade, e o que foi uma modesta vila de pescadores tornou-se progressividade numa moderna cidade operária.
A indústria Corticeira instala-se em 1865, acompanhando a expansão da linha férrea, mas é sobretudo com a instalação da Companhia União Fabril em 1907, pelas mãos do industrial Alfredo da Silva, que é traçada a nova malha urbana.
Com a divisa “O que o País não tem, a CUF cria”, marcadamente foi definido o novo carácter da paisagem ribeirinha do Barreiro, tornando a margem a sul do Tejo o maior centro fabril do País.
Os edifícios baixos e compactos foram rapidamente preenchidos por um horizonte recortado. As chaminés altas, as coberturas angulares e corpos cuja imagem e estética são a representação literal da sua função, compõem o novo cenário de cidade transformadora. A chamada “obra-social”, com equipamentos de apoio como escola, posto de saúde, auditório, supermercado, surge alocada à expansão territorial das fábricas que operavam e progressivamente se multiplicaram.
Desde então o planeamento urbano do Barreiro está correlacionado com um modelo industrial auto-suficiente e encerrado.
O que resta da cidade é uma fábrica que falece: são esqueletos obsoletos. Uma arqueologia industrial em que a metrópole contemporânea em torno orbita e tenta lentamente absorver. A relação que existe entre as duas grandezas, o construído e o não construído, é desajustada. Os inúmeros vazios urbanos que resultam de demolições, fragmentações urbanas, não foram tomados pela construção posterior nas décadas de sessenta e setenta. São dormitórios oscilantes descosidos do texto global.
Comparando as duas grandezas, os cheios e os vazios, os terrenos desocupados têm similar peso. São territórios expectantes, ou vocábulos ausentes numa leitura de futura consolidação.
NARRATIVA DE IMAGENS:
Toma-se uma chaminé industrial situada num terreno vacante no coração da cidade como objecto do estudo da série de fotografias. É o centro, ou eixo de um sistema de vistas que, por um lado, orienta a geometria da cidade, por outro é representação simbólica e a memória de um episódio que marcou profundamente a cidade. Esta narrativa fotográfica sugere revisitar a cidade através de um percurso concêntrico pelas ruas, marcando geograficamente os pontos onde se pode ver a estrutura - o que se pretende é mapear a relação entre o existente, o novo construído e a chaminé.
Mais do que uma documentação gráfica do modo como a fábrica se integra na cidade, é um exercício de reconhecimento da geografia urbana.
DIÁLOGOS: EMMA HORNSBY
Emma Hornsby cruza-se com o parque industrial do Barreiro com a exposição “Partes da Terra/Ground Parts”. Uma mostra com vídeo, escultura e partes de detritos que recolheu do parque industrial. A exposição desenhou um primeiro percurso que se veio a revelar uma exploração minimal dos materiais, dos meios e técnicas no território industrial. A pesquisa nos arquivos históricos e iconográficos das fábricas cruzou-a com a Estação Sul e Sueste, apresentando “Three different solutions: opening the windows for the renewal of air”, uma série de desenhos bidimensionais em fita-cola, projectando no espectador Ilusões de óptica com recurso ao anaformismo. Manteve o foco no reconhecimento da fábrica, da composição das suas partes físicas e na memória da sua operatividade.
Com “How to find the centre of a circle/ Como encontrar o centro de um círculo”, Emma Hornsby esboça o limite entre o interior e o exterior. Explora conceitos de movimento e equilíbrio, dialogando com a paisagem imaginada ao inscrever um lugar – uma concha que nos isola e acolhe de um território em torno - como o reconhecimento da Natureza que agora é habitat humano, e por consequência é um gesto próximo da arquitectura.
Fotos:
Frederico Vicente