Kiluanji Kia Henda
06.10-20.11.2020
Apoio:
InResidence (Ágora - Cultura e Desporto, E.M.)
RED LIGHT SQUARE
History is a Bitch project: Kinaxixi
O Largo do Kinaxixi, uma das principais praças de Luanda, foi construído sobre uma enorme lagoa durante o regime colonial. Nessa lagoa, conta a lenda dos povos de origem Bantu, vivia uma Kianda, a Deusa das águas. Este ser mitológico, filha de Nzambi (Deus criador), similar a Yemoja na tradição Yoruba, e Yemanjá nas Américas, é então aterrado juntamente com a lagoa, para dar lugar a edifícios coloniais. Pode dizer-se que os povos Bantus, emigrados desde a África de Leste, foram os primeiros conquistadores da região, tendo expulsado os povos originários nómadas para o sul, para perto do deserto. Kiluanji Kia Henda, interessando-se pelo elevado simbolismo do Largo, parte dessa primeira ocupação do espaço para delinear o seu percurso que acompanha quase 400 anos de história.
Por ocasião do 50º aniversário do Festival Internacional de Cinema de Roterdão (IFFR), o artista foi comissionado para apresentar uma performance em 2021, em colaboração com o artista e músico Satch Hoyt. Durante a residência no INSTITUTO, desenvolveu a maquete da instalação. Um retângulo vermelho de luz no chão define o espaço que contém cinco figuras, cada uma representando um dos cinco momentos da cronologia do Largo. A performance no Festival incluirá também música ao vivo e um texto recitado que vai revelando a história do Kinaxixi e de uma nação, não sem alguns adereços ficcionais.
Em 1937, o Império Português comissiona ao escultor Henrique Moreira o Monumento aos Mortos da Grande Guerra, conhecido como Maria da Fonte. Um pedestal de granito sustentava soldados europeus e indígenas em torno da Vitória. Esta estátua foi explodida com dinamite em 1976/77, nos primeiros anos da independência, e é colocado um tanque de guerra soviético sobre o pedestal. Com o desmoronamento do aparelho comunista, o tanque é retirado em 1991, dando lugar a mais um vazio.
Em 2002, com o final da guerra civil, é erguida uma estátua da Rainha Njinga Mbandi, soberana do Ndongo e da Matamba (1582-1663) e guerreira anticolonial, em comemoração dos 27 anos de independência do país, momento importante para o resgate do orgulho Nacional. Contudo, a Rainha foi movida em 2008 para a Fortaleza de São Miguel, atual Museu das Forças Armadas, enquanto se construíam as novas torres do Centro Comercial Kinaxixi, para as quais se demoliu o edifício modernista do Mercado do Kinaxixi. Atropelada pelos petrodólares do boom económico, a Rainha continua na Fortaleza, enquanto as torres de betão se erguem no Largo, ainda hoje inacabadas. Estas imponentes estruturas podem ser vistas como um monumento à lavagem de capital.
Nesta linha do tempo desde o período pré-colonial até ao presente, estão marcados vários episódios violentos da história e as suas interpretações, tornando-se visível uma manipulação grotesca da história em si e do próprio espaço do Largo do Kinaxixi, um lugar em constante metamorfose. Estes cinco monumentos representados nas maquetes, mostram não só as transformações profundas que aconteceram em Angola, mas também uma flexibilidade notável para expressar essas mudanças no espaço público. Para o artista, deveria ser sempre possível alterar monumentos desde que correspondam às paixões e crenças que determinam a época em que vivemos. Esta ideia é contrária à forma como o espaço público é apropriado e instrumentalizado para a perpetuação de narrativas de poder, apesar de muitas vezes legitimar e celebrar figuras, que em diversos casos representam um atentado a liberdades e valores humanos que dizemos defender.
Biografia
Kiluanji Kia Henda emprega na sua prática um sentido de humor surpreendente, focando muitas vezes em temas de identidade, política e a percepção do pós-colonialismo e modernismo em África. Praticante no campo da fotografia, vídeo e performance, Kia Henda liga a sua abordagem multidisciplinar a uma acentuada perspicácia crítica. A sua vertente conceptual foi apurada pela imersão no campo da música, teatro avant-guard, e colaboração com artistas emergentes do panorama artístico de Luanda. Em cumplicidade com o legado histórico, Kia Henda reconhece processos de apropriação e manipulação de espaços e estruturas públicas, e as diferentes representações que fazem parte da memória coletiva.
Kia Henda participou em vários programas de residência em cidades como Cidade do Cabo (2008), Veneza (2010), Amman (2013), Sharjah (2014), e recentemente completou uma residência de três meses em Luma Arles, França. Recebeu em 2018 o Frieze Artist Award e em 2012 o Prémio Nacional de Arte e Cultura, atribuído pelo Ministério da Cultura de Angola. O seu trabalho figurou nas bienais de Veneza, Dakar, São Paulo e Gwangju, bem como em exposições coletivas em numerosas instituições, entre as quais: Centre George Pompidou em Paris (2020); Zeitz MOCCA na Cidade do Cabo (2019); Tate Modern em Londres (2018); Smithsonian Institution em Washington (2015); Museu Guggenheim em Bilbau (2015); New Museum em Nova Iorque (2014).
Open Studio: 20.11 - 31.12.2020
Fotos:
Ivo Tavares